domingo, setembro 12, 2004

Suicídio



Foi através do Eduardo que soube do artigo de João Pereira Coutinho no Expresso desta semana. O Eduardo demarcou-se logo e eu posso acrescentar que se trata de um artigo de alguém que não está a par do assunto e que portanto nunca deveria escrevê-lo. Revela uma grande falta de tacto e sensibilidade para o assunto. O artigo fala no crescimento dos suicídios em todo o mundo, sobretudo nos países civilizados e nos que não são atingidos por guerras.
Os números da OMS têm aumentado nos últimos anos, mas não é a natureza humana que leva a matar e morrer em tragédias.
Não vivemos num mundo de felicidade extrema como João Pereira Coutinho diz, muito longe disso. Na realidade, os países desenvolvidos oferecem condições para uma sobrevivência fácil, um acesso confortável aos bens básicos. No entanto, a felicidade não provém do materialismo, não tendo o suicídio origem no excesso de felicidade. Quanto muito poder-se-á dizer que este excesso de condições de vida provoca a diminuição de objectivos de sobrevivência, faz com que o homem se afaste da essentia que falei há poucos posts atrás. Esta ausência de objectivos reais, aliado ao aparecimento de objectivos materialistas e de ascenção social, provoca a depressão (muitas vezes em pessoas predispostas para a doença em termos genéticos).
A depressão surge a partir de uma dissolução generalizada de objectivos. Um homem que não se sente adaptado à sociedade materialista, que não pretende ser reconhecido a nível social, que não encontra objectivos alternativos (artísticos, desportivos, por exemplo), que tem a sua sobrevivência assegurada sem necessitar de se esforçar muito e (muito importante) que não tem uma vida amorosa e afectiva vincada, é um homem em depressão. Um homem em depressão não é um homem feliz, é um homem que se encontra parado no tempo sem que o tempo páre. Pode mesmo surgir a altura em que as emoções desaparecem, em que os sentimentos são inexistentes, acabando a vida por ser tão redundante como o zero.
O suicídio, à primeira vista parece um acto de cobardia, de alguém que não conseguiu saltar por cima dos obstáculos da vida, mas vendo pela perspectiva de quem está na depressão é um acto de coragem. E porquê coragem? Porque quando não existem emoções nem sentimentos, quando se chega a um cume de racionalidade mais alto que o Evereste, qualquer decisão é uma parede esguia para escalar. Quando se chega a uma depressão profunda não há forças para decidir, o mais fácil é continuar no marasmo durante anos e anos, o suicídio é uma escolha sendo assim uma escalada enorme, é o dizer basta! numa entoação fantasmagórica. Uma péssima escolha, mas não deixa de exigir muita coragem. Pena é que essa coragem não seja canalizada para uma solução mais adequada à filosofia de vida que a maior parte de nós aceita.
Espero ter sido bem explícito. Não coloquem a felicidade num local onde ela não existe.

Notas:
-Por incrível que possa parecer nunca tive vontade de me suicidar e nem sequer tive uma única depressão. No entanto já lidei com pessoas com problemas muito complicados e não eram pacientes ou clientes, eram amigos e por isso é algo que também me toca.
-O suicídio sobre o qual escrevo não é o suicídio de Albert Camus, como é óbvio.