quinta-feira, julho 31, 2003

Conto

Comecei há poucos minutos este conto. Vou publicá-lo ao longo dos próximos dias, não porque queira atrair pessoas para o blogue para irem vendo a continuacão, mas porque tudo o que escrevi até agora está aqui em baixo e acho interessante a ideia de escrever um conto enquanto outros o lêem. Penso que vai ter umas três ou quatro partes e amanhã devo continuá-lo. Espero que gostem e critiquem!

Mão Invisível (1ª Parte)

José era carpinteiro porque seguira a arte do pai, aliás o seu nome não tinha caído do céu, era a homenagem que o progenitor fez ao mais famoso profissional da área. A sua carpintaria ficava perto do centro da aldeia de Madeira. Era uma aldeia que tinha nome de ilha, mas o único mar que a rodeava era um mar de montanhas e de isolamento. As casas de Madeira, como o nome indica, eram todas de pedra e de apenas um piso, incluindo a própria carpintaria de José. As casas tinham este material porque todos os habitantes da povoação sabiam que para construir casas de pedra não necessitavam de matar nenhum ser vivo. Então, porque é que existe uma carpintaria em Madeira se ninguém quer matar seres vivos? Porque as portas de pedra que as pedreiras faziam eram demasiado pesadas para a população idosa as abrir. E como em Madeira não existia mais nenhuma matéria prima para além das rochas e do material homólogo à localidade, tinham que ser construídas portas de madeira. Foi assim estabelecido um código de ética pela Junta de Freguesia, postulava que cada casa teria que possuir oitenta porcento de portas de pedra e vinte porcento de portas de madeira. Era a forma dos idosos poderem sair dos quartos onde dormiam e dos pinheiros das montanhas que rodeavam Madeira poderem continuar a dar frescura ao ambiente da zona.
Sendo o único carpinteiro de Madeira, José tinha a função de fazer e reparar os tais vinte porcento de portas da aldeia. Às diversas pedreiras existentes cabia construir as casas e as portas restantes. Era o modo de todos os habitantes terem emprego, a maioria trabalhava nas pedreiras, existiam comerciantes e agricultores, pastores e lenhadores, professores e funcionários da Junta, e ainda o padre e José. Não era uma aldeia perfeita, existiam problemas como há em tantas outras, era uma aldeia quase vulgar, com os seus arraiais, as suas festas do padroeiro com cantoras e bailarinas, foguetes e vacas de fogo, as únicas diferenças eram a existência de emprego para todos e o facto de ninguém necessitar de morar na grande cidade e tirar um curso para crescer, a vida tratava de ensinar tudo o que as pessoas não sabiam.
Como em todas as histórias, algo a rompeu o equilíbrio. Num belo dia de Março, com um calor abrasador, chegou a Madeira uma carrinha de caixa aberta que trazia um novo habitante para a aldeia. Era Joaquim, filho de outro Joaquim que emigrara para França em novo. Trazia placas de alumínio e estava disposto a abrir uma serralharia com as portas mais leves que existiam em todo o mundo. Passados uns meses a sua casa estava construída, tinha as portas de pedra obrigatórias, mas à vista de todos colocou uma enorme porta de alumínio resplandecente pintada a côr de rosa e dois portões também metálicos, pintados de amarelo para condizerem com o muro côr de laranja e os patinhos lilazes de porcelana que pôs à entrada. A sua oficina de serrelharia era dentro de casa, e a grande inovação tecnológica começou a atrair a população, que pretendia substituir as suas portas de pinho pelas de alumínio resplandecente.
Quem não gostou muito da ideia foi José, que via a sua clientela extinguir-se. A directiva da Junta de Freguesia exigia um mínimo de portas de pedra, mas não dizia que as restantes deveriam ser de madeira. Acabou por chegar a um dia que só tinha mais um trabalho a fazer, por sinal para o seu irmão, que com pena de José tinha pedido uma porta para a casota do seu cão. Quando o carpinteiro começou a trabalhar, olhou para a tábua de madeira com lágrimas nos olhos, tinha quarenta anos e muito que dar à vida, o que iria fazer depois? Pegou no serrote de pedra e começou a cortar a tábua com a força da tristeza, serrou-a num bater de asas e meia tábua caiu no chão com estrondo. Pousou o serrote e pegou nela com violência. Algo estava diferente, a tábua parecia levitar e a sua mão desaparecera. Deixou cair a madeira e num grito tentou estalar os dedos dessa mão, ouviu o som e ficou mais descansado. Não tinha serrado a mão, afinal de contas a mão desaparecida era a que segurava o serrote e não havia qualquer vestígio de sangue. O seu braço terminava no pulso, mas podia bater palmas e pentear o cabelo como antes.