domingo, agosto 03, 2003

Conto

Mão Invisível (2ªParte)

José correu para dentro de casa, foi ao quarto de banho e o espelho não enganava, a mão tinha desaparecido. Com um alfinete picou o que seria o dedo polegar, sentiu uma dor espinhosa e um liquido quente a jorrar, mas nada visível, a existência da mão resumia-se a quatro sentidos, o quinto tinha ficado algures junto da porta da casota do cão.
Como bom católico que era, José quis logo falar com o padre acerca da sua patologia. Se existe a doença dos pezinhos então esta seria a doença da mãozinha desaparecidinha. Nem o senhor padre conhecia algo assim, tinha cumprimentado José sem olhar para a mão e quando este a mostrou o sacerdote nem queria acreditar no que não via.
-É um sinal de Deus, Ele quer-te dizer que nunca soubeste dar a mão a quem precisa, por isso retirou-te, não deste o devido uso.
-Mas Ele não me retirou a mão, ela continua cá mesmo tendo desaparecido.
-É porque Deus te quer dar uma segunda a oportunidade, utiliza-a para ajudar os outros e a tua mão reaparecerá.
José, olhando para a mão que não via, despediu-se do padre e começou a pensar no que este lhe dissera. Pareciam argumentos inacreditáveis, que não tinham qualquer nexo, porque haveria Deus de escolher José para ter uma mão invisível? Já não bastava o fim do negócio que ainda ia ficar com a vida amputada de esperanças, o destino era tão padrasto. Mas se o Padre disse que José devia dar a mão a mais alguém é porque tem razão, os padres têm sempre. Deus devia ter escolhido o pároco da aldeia para seu interlocutor, às tantas apareceu num sonho e disse:
-O José vai ter uma mão invisível, diz-lhe para ajudar os outros.
-Assim o farei Senhor
Por isso é que os padres têm uma vocação especial, Deus diz-lhes dizer estas coisas, pensou José depois de ter imaginado o sonho do pároco. Nada mais restou ao carpinteiro do que procurar pessoas por toda a aldeia para ajudar utilizando a sua mão invisível. Encontrou algumas velhinhas que queriam atravessar a estrada de pedra e ajudou-as a caminhar, encontrou alguns gatos em cima das árvores e ajudou-os a descer, encontrou algumas crianças à procura de uma bola de futebol e ajudou-as a encontrar, encontrou o serralheiro que lhe estragou o negócio e não o ajudou, deu-lhe um soco no nariz. Depois foi ajudar as velhinhas que tinham atravessado a rua e que queriam regressar ao outro lado, os gatos que afinal não queriam estar cá em baixo mas sim em cima das árvores e as crianças que afinal não estavam à procura de uma bola de futebol mas sim de básquete, não voltou a encontrar o serralheiro para lhe dar outro murro porque este tinha ido para o hospital. Quanto à mão invisível, invisível estava. Esteve um dia inteiro tentando ajudar as pessoas, mas depois chegou à conclusão que a utilidade da sua mão era nula. Desde que se tornara invisível, todas as ajudas eram infrutíferas, erradas e às vezes desrespeitadoras, caso de uma velhinha que não queria atravessar nenhuma rua e que a mão arrastou-a para o outro lado sem complacências e sem o controle de José.
(continua)